O Luís Lobo Jordão é um analista financeiro certificado pelo CFA Institute. Trabalha nos mercados financeiros desde 1999 e criou o maior fundo de ações português na CGD.
Desde 2016 que colabora com a SGF, uma sociedade gestora de referência no mercado de Fundos de Pensões em Portugal, onde criou o PPR (Plano Poupança Reforma) SGF Stoik.
É, também, o principal agitador do movimento FIRE em Portugal (Financial Independence, Retire Early, em português “Independência financeira, reforma antecipada”), um movimento que tem por objetivo garantir a independência financeira através de uma combinação entre investimentos financeiros e frugalidade.
É fundador do podcast FIRE Talks Portugal, que nasceu através de um grupo do Facebook com o mesmo nome, também da sua autoria.
Esta é uma entrevista que abordará quatro temas: os PPR (Planos Poupança Reforma), reforma antecipada em Portugal, investimentos financeiros e os cursos CFA (Chartered Financial Analyst). Em jeito de bónus, serão disponibilizados alguns links com conteúdo importante para melhorar a nossa literacia financeira.
Todos os links necessários de conceitos, páginas ou outro tipo de conteúdos mencionados ao longo da entrevista serão disponibilizados no final da mesma.
Parte 1 – PPRs
Olá, Luís. Criaste o PPR SGF Stoik, em 2016. Quais os prós e contras deste PPR quando comparado, por exemplo, com um seguro PPR?
Olá, Micael. É um prazer estar aqui a falar para o teu blog.
O PPR SGF Stoik foi criado para oferecer uma alternativa mais rentável e dinâmica aos tradicionais seguros PPR que dominam o mercado português. A principal diferença entre o PPR SGF Stoik e um seguro PPR reside na garantia de capital. O seguro PPR tem habitualmente capital garantido, enquanto os fundos não. Assim, dentro dos fundos encontramos ativos como ações, que, embora possam ser mais voláteis no curto prazo, têm o potencial para oferecer retornos significativamente mais elevados a longo prazo.
Esta abordagem naturalmente não será para todos. No entanto, acreditamos que assumir um certo nível de risco de capital é justificado pelo potencial de retorno a longo prazo. No caso dos PPRs, os investidores podem chegar a investir por várias décadas. A história mostra que as quedas de mercado são mais do que recuperadas ao longo do tempo – e é essa filosofia que norteia a gestão do PPR SGF Stoik.
Existe alguma razão por detrás do nome “Stoik”?
Sim, o nome “Stoik” foi inspirado na filosofia estóica, que preconiza a importância do autocontrolo, da racionalidade e da paz interior, independentemente das circunstâncias externas. Acreditamos que estes princípios são extremamente relevantes no mundo dos investimentos, onde as emoções podem frequentemente levar a decisões impulsivas e, por vezes, prejudiciais.
O estoicismo ensina-nos a focar no que podemos controlar e a aceitar o que não podemos. Também nos mostra que, muitas vezes, os obstáculos que nos aparecem no caminho são exactamente o que precisamos para nos tornarmos mais fortes.
No contexto do PPR SGF Stoik, isso traduz-se numa abordagem de investimento disciplinada e bem ponderada, que busca retornos sustentáveis a longo prazo, minimizando – ou até ignorando – os efeitos das flutuações de mercado de curto prazo. O nome serve como um lembrete constante, tanto para nós, responsáveis pelo fundo, como para os nossos investidores, da importância de manter a calma e a racionalidade em todas as circunstâncias.
Parte 2 – Reforma Antecipada
Tens um grupo no Facebook e também um podcast chamado FIRE Talks Portugal. Como descreverias o FIRE e o que te motivou a criar esses canais de comunicação?
O conceito de FIRE (Financial Independence, Retire Early) é uma abordagem que combina investimento inteligente e frugalidade/racionalidade para alcançar a independência financeira e, potencialmente, uma reforma antecipada. Em essência, trata-se de acumular ativos que gerem rendimentos passivos suficientes para cobrir as despesas de vida, permitindo uma maior liberdade de escolha em como passar o seu tempo. A trabalhar ou não.
A minha motivação para criar o grupo no Facebook e o podcast FIRE Talks Portugal foi muito orgânica e decorreu de eu estar a participar com o meu conhecimento em grupos FIRE e começar a fazer lives para explicar alguns conceitos e “traduzir” a realidade norte-americana para o contexto português. Apesar de já existirem algumas pessoas a falar sobre o tema, poucas têm experiência efectiva de ter feito um percurso para FIRE com sucesso e viver essa experiência a partir dos 41 anos.
Assim, surgiu um espaço onde os portugueses podem discutir, aprender e partilhar experiências sobre este movimento, com alguma moderação baseada em conhecimentos mais técnicos. Percebi que, embora existissem muitos recursos em inglês sobre o tema, havia uma lacuna significativa em conteúdo de qualidade em português.
Acabámos por criar uma comunidade onde as pessoas se podem sentir mais apoiadas e inspiradas na sua jornada para a independência financeira.
Curiosamente, alguns dos membros do grupo começaram a descarregar essas lives que fazia no grupo e a ouvi-las a correr/passear e lembrei-me de as colocar em podcast, de modo a que mais pessoas pudessem ouvir e, espero, melhorar a sua vida financeira. Neste momento, o podcast é o meio através do qual o conteúdo chega a mais pessoas.
Tendo Portugal um salário médio abaixo da média da UE, acreditas que uma pessoa com 30 anos pode ambicionar uma reforma aos 60 anos (ou antes) sem sair do País?
Sem dúvida, acredito que é possível ambicionar uma reforma antecipada em Portugal, mesmo com um salário médio abaixo da média da União Europeia.
Realçava, no entanto, que auferir rendimentos acima da média e gastar abaixo da média, é algo muito importante no conceito. Aliás, o conceito de FIRE não está necessariamente ligado a altos salários, mas sim a uma gestão eficiente do dinheiro que se ganha. O segredo está em maximizar a taxa de poupança e investir de forma inteligente e consistente ao longo do tempo. Encontro muitos exemplos de pessoas com salários elevados que não poupam e portanto apenas podem sonhar com FIRE; e pessoas com salários modestos, mas que criam um side-hustle (2º trabalho/hobby remunerado), ou minimizam os custos de modo impressionante, e conseguem retirar vários anos à idade legal da reforma.
Por exemplo, se uma pessoa na casa dos 30 anos começar a investir regularmente em ativos que oferecem um retorno razoável, o poder dos juros compostos pode fazer maravilhas ao longo de 30 anos. Além disso, a frugalidade e o controle de despesas são elementos-chave que podem acelerar o processo.
Acredito (e sei) que com planeamento, disciplina e uma estratégia de investimento sólida, é perfeitamente possível aspirar a uma reforma aos 60 anos, ou até mais cedo, sem sair de Portugal.
Existe algum método para sabermos o montante necessário para garantir a reforma antecipada?
Sim, existem várias fórmulas e métodos que podem ajudar a calcular o montante necessário para garantir uma reforma antecipada. Um dos mais conhecidos e simples é a “Regra dos 4%”, que sugere que se pode retirar 4% do portfólio de investimentos no primeiro ano e depois ir ajustando esse valor com a inflação e, com uma alta probabilidade, o dinheiro deverá durar por, pelo menos, 30 anos.
Para usar esta regra, primeiro temos de calcular as nossas despesas anuais previstas na reforma. Isso desde já será positivo para sabermos quais as nossas despesas actuais. Depois, multiplicamos esse número por 25 (o inverso de 4%) para obter uma estimativa do montante total de que precisará.
Por exemplo, se precisar de 12.000 euros por ano para viver confortavelmente na reforma, multiplicaria esse valor por 25, resultando num montante alvo de 300.000 euros.
É importante notar que esta é uma regra geral e que aqui expliquei de forma muito simplificada. Cada pessoa pode ter necessidades e circunstâncias diferentes que requerem um planeamento mais personalizado. Além disso, é crucial rever regularmente os cálculos à medida que nos aproximamos da reforma, para ajustar a estratégia conforme necessário.
Parte 3 – Investimentos
Muitas pessoas consideram um carro novo um “investimento”. Queres explicar-nos melhor o que é um investimento, e se esse bem material em específico se pode enquadrar como tal?
É comum ouvir pessoas referirem-se à compra de um carro novo como um “investimento”, mas é importante esclarecer o que realmente constitui um investimento do ponto de vista financeiro. Um investimento é, essencialmente, a alocação de recursos, com a expectativa de gerar um retorno financeiro ao longo do tempo. Isso pode incluir a compra de ativos como ações, obrigações, imóveis ou até mesmo a educação ou formação, que pode aumentar o nosso potencial de ganhos futuros.
Um carro novo, por outro lado, é um bem que sofre depreciação. Isso significa que o valor do carro começa a diminuir assim que sai do stand, e continua a depreciar ao longo do tempo. Portanto, em termos financeiros, não se enquadraria como um investimento, já que não gera retorno e, na verdade, perde valor.
Claro que se eu comprar um carro para trabalhar, por exemplo como condutor da Uber, então aí pode ser um investimento. No fundo, uma ideia que o Kiyosaki (o autor do “Pai Rico, Pai Pobre”) popularizou e que ajuda as pessoas a distinguir é a de “activos” e “passivos”. Um activo coloca dinheiro no nosso bolso, enquanto um passivo tira dinheiro do nosso bolso.
Portanto, é crucial diferenciar entre um gasto (consumo) e um investimento, para que possamos tomar decisões financeiras mais informadas.
Não existe idade limite para investir. Apesar disso, darias conselhos diferentes a um jovem de 20 anos ou um adulto de 50 anos? Se sim, quais?
Concordo plenamente que não há idade limite para investir, mas as estratégias de investimento podem variar dependendo da fase da vida em que nos encontramos. O essencial será sempre o horizonte temporal de investimento e o perfil de risco do investidor.
Assumindo que o jovem de 20 anos está a investir para o longo prazo (ex: reforma) e tem menos responsabilidades, com um horizonte de tempo mais extenso, é possível assumir mais riscos e investir em ativos com maior potencial de crescimento, como ações ou fundos mais agressivos. O poder dos juros compostos é um aliado valioso nesta idade e começar cedo pode fazer uma diferença significativa no montante acumulado ao longo dos anos.
Por outro lado, para um adulto de 50 anos, a abordagem provavelmente seria mais cautelosa. Assumindo que quererá começar a retirar capital a médio prazo, com a reforma a aproximar-se, seria prudente diversificar mais o seu portfólio com uma mistura de obrigações, imobiliário e matérias-primas, para além de ações. Também é o momento de começar a pensar em estratégias de retirada e em como transformar o portfólio numa fonte de rendimento estável durante a reforma.
Em resumo, enquanto o objetivo final de investir para a independência financeira permanece o mesmo, as táticas para alcançá-lo podem e devem ser ajustadas de acordo com a idade, o horizonte temporal e o perfil de risco do investidor. Não existe uma fórmula que funcione para todos da mesma maneira e cada um deve avaliar muito bem o que funciona melhor para si.
Quais são as tuas principais recomendações neste contexto de inflação elevada?
Num cenário de inflação elevada como o que vivemos actualmente, a preservação do poder de compra torna-se uma prioridade. A primeira recomendação prende-se com os nossos rendimentos profissionais. A melhor defesa contra a inflação é sermos dos melhores na nossa área e, com isso, conseguir sempre superar a taxa de inflação. Existe sempre procura pelos melhores.
Na área de investimentos, uma das estratégias mais eficazes para enfrentar este desafio é diversificar o portfólio, incluindo activos que, historicamente, se comportam bem em períodos de inflação, como ações, matérias-primas e imobiliário. Nas ações, empresas com balanços sólidos e capacidade para ajustar os preços (vantagens competitivas) tendem a ser mais resilientes em ambientes inflacionários. Normalmente têm margens elevadas e pouco endividamento. Nas obrigações podemos ajustar a carteira para obrigações de prazos mais curtos ou até obrigações ligadas à inflação ou de taxa variável.
Em termos de consumo, devemos ser mais criteriosos com as nossas compras e estar mais vigilantes relativamente a promoções, marcas brancas e outras oportunidades de reduzir a nossa factura.
Para além dos PPRs e ETFs, existe mais algum produto financeiro que consideres interessante, e se sim, qual ou quais?
Para além dos PPRs e ETFs, que são produtos financeiros bastante populares e acessíveis, podemos sempre investir nos activos em que estes produtos financeiros investem de forma directa. Tal pressupõe maior investimento de tempo e conhecimento dos investidores, mas na realidade os PPRs e os ETFs são apenas formatos com certas características (impostos, comissões, etc) e os activos em que estamos a investir são ações, obrigações, imobiliário, matérias-primas, alternativos. Portanto, temos sempre a hipótese de investir directamente nestes activos. Algumas áreas de inovação também podem permitir investimentos interessantes, obrigando, mais uma vez, a análises cuidadas. Essas áreas são P2P e criptomoedas. Sendo áreas mais arriscadas devem representar uma proporção reduzida do portfólio do investidor.
Parte 4 – CFA
Podes explicar-nos o que é um CFA e em que medida isso te ajudou a garantir a liberdade financeira?
O CFA, ou Chartered Financial Analyst, é uma designação profissional reconhecida internacionalmente no campo da gestão de investimentos e análise financeira. O programa CFA é extremamente rigoroso e abrangente, cobrindo temas como ética profissional, economia, finanças corporativas, gestão de portfólios, entre outros. Obter esta certificação não só validou o meu conhecimento e competência na área financeira, como também me deu acesso a uma rede global de profissionais e a recursos educacionais contínuos.
Em relação à liberdade financeira, o CFA foi importante de várias formas. Primeiro, proporcionou-me as ferramentas analíticas para avaliar diferentes tipos de investimentos e estratégias de forma mais eficaz. É difícil creditar algumas decisões de investimento a cursos/mentorias/formações concretas, mas julgo que algumas boas decisões de investimento se devem ao que aprendi no CFA. Segundo, a credibilidade e o reconhecimento associados à designação CFA abriram portas profissionais que, por sua vez, contribuíram para a minha estabilidade financeira e capacidade de dizer não a situações profissionais menos alinhadas com o que pretendia e, assim, poder lançar-me com maior confiança numa carreira mais empreendedora.
Que conselhos darias para quem pretende tirar um CFA?
Quem está a ponderar tirar o CFA, deve preparar-se para um compromisso de longo prazo e investe na organização e na disciplina, dado que o curso é feito individualmente. O ideal será começar a estudar com muita antecedência e fazer muitos testes para aferir o progresso. Também se deve ter um domínio elevado do inglês.
Extra: conteúdos recomendados
Que conteúdos (livros, podcasts, páginas) recomendas para quem pretende melhorar a sua literacia financeira?
Existe actualmente muito conteúdo português e internacional sobre o tema de literacia financeira, pelo que irei limitar a minha resposta a 3 conteúdos, para além do podcast/grupo FIRE Talks Portugal, claro 😉
- Livro: “Your Money or Your Life” de Vicky Robbins e Joe Dominguez. Tradução: “O Dinheiro ou a Vida” – livro original do movimento FIRE (Amazon | Wook)
- Blog: “Mr. Money Mustache”, sem dúvida um dos melhores (Link) (inglês)
- TV/Podcast: “Contas Poupança” – tópicos mais próximos da realidade portuguesa (Website | Spotify)
Links úteis
- Luís Lobo Jordão no LinkedIn
- PPR SGF Stoik
- Grupo do Facebook “FIRE Talks Portugal”
- Podcast FIRE Talks Portugal no Spotify
- Financial Independece, Retire Early (inglês)
- A regra dos 4% explicada pelo Doutor Finanças